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MPLA-Alemanha

 

Agostinho Neto


 

Obras poéticas de Agostinho Neto:

- Quatro Poemas de Agostinho Neto (1957, Póvoa do Varzim, e.a.).

- Poemas (1961, Lisboa, Casa dos Estudantes do Império).

- Sagrada Esperança (1974, Lisboa, Sá da Costa,inclui os poemas dos dois primeiros livros).

- A Renúncia Impossível (1982, Luanda, INALD (edição póstuma).

 

Poémas de Agostinho Neto:

 

O CHORO DE ÁFRICA


O choro durante séculos
nos seus olhos traidores pela servidão dos homens
no desejo alimentado entre ambições de lufadas românticas
nos batuques choro de África
nos sorrisos choro de África
nos sarcasmos no trabalho choro de África

Sempre o choro mesmo na vossa alegria imortal
meu irmão Nguxi e amigo Mussunda
no circulo das violências
mesmo na magia poderosa da terra
e da vida jorrante das fontes e de toda a parte e de todas as almas
e das hemorragias dos ritmos das feridas de África

e mesmo na morte do sangue ao contacto com o chão
mesmo no florir aromatizado da floresta
mesmo na folha
no fruto
na agilidade da zebra
na secura do deserto
na harmonia das correntes ou no sossego dos lagos
mesmo na beleza do trabalho construtivo dos homens

o choro de séculos
inventado na servidão
em histórias de dramas negros almas brancas preguiças
e espíritos infantis de África
as mentiras choros verdadeiros nas suas bocas

o choro de séculos
onde a verdade violentada se estiola no circulo de ferro
da desonesta força
sacrificadora dos corpos cadaverizados
inimiga da vida

fechada em estreitos cérebros de máquinas de contar
na violência
na violência
na violência

O choro de África é um sintoma

Nós temos em nossas mãos outras vidas e alegrias
desmentidas nos lamentos falsos de suas bocas - por nós!
E amor
e os olhos secos.


(Poemas, 1961)

 

 

 

 

ADEUS À HORA DA LARGADA

 

Minha Mãe
(todas as mães negras
cujos filhos partiram)
tu me ensinaste a esperar
como esperaste nas horas difíceis

Mas a vida
matou em mim essa mística esperança

Eu já não espero
sou aquele por quem se espera

Sou eu minha Mãe
a esperança somos nós
os teus filhos
partidos para uma fé que alimenta a vida

Hoje
somos as crianças nuas das sanzalas do mato
os garotos sem escola a jogar a bola de trapos
nos areais ao meio-dia
somos nós mesmos
os contratados a queimar vidas nos cafezais
os homens negros ignorantes
que devem respeitar o homem branco
e temer o rico
somos os teus filhos
dos bairros de pretos
além aonde não chega a luz elétrica
os homens bêbedos a cair
abandonados ao ritmo dum batuque de morte
teus filhos
com fome
com sede
com vergonha de te chamarmos Mãe
com medo de atravessar as ruas
com medo dos homens
nós mesmos

Amanhã
entoaremos hinos à liberdade
quando comemorarmos
a data da abolição desta escravatura

Nós vamos em busca de luz
os teus filhos Mãe
(todas as mães negras
cujos filhos partiram)
Vão em busca de vida.

(Sagrada Esperança)

 

 

 

A RENÚNCIA IMPOSSÍVEL

Negação

Não creio em mim
Não existo
Não quero eu não quero ser

Quero destruir-me
atirar-me de pontes elevadas
e deixar-me despedaçar
sobre as pedras duras das calçadas

Pulverizar o meu ser
desaparecer
não deixar sequer traço de passagem
pelo mundo

quero que o não-eu
se aposse de mim

Mais do que um simples suicídio
Quero que esta minha morte
seja uma verdadeira novidade histórica
um desaparecimento total
até mesmo nos cérebros
daqueles que me odeiam
até mesmo no tempo
e se processe a História
e o mundo continue
como se eu nunca tivesse existido
como se nenhuma obra tivesse produzido
como se nada tivesse influenciado na vida
se em vez de valor negativo
eu fosse zero

Quero ascender
elevar-me até atingir o Zero
e desaparecer

Deixai-me desaparecer!

Mas antes vou gritar
Com toda a força dos meus pulmões
Para que o mundo oiça:

- Fui eu quem renunciou a Vida!
Podeis continuar a ocupar o meu lugar
Vós os que mo roubastes

Aí tendes o mundo todo para vós
para mim nada quero
nem riqueza nem pobreza
nem alegria nem tristeza
nem vida nem morte
nada

Não sou Nunca fui
Renuncio-me
Atingi o Zero

E agora
vivei cantai chorai
casai-vos matai-vos embriagai-vos
dai esmolas aos pobres
Nada me pode interessar
que eu não sou
Atingi o Zero

Não contem comigo
para vos servir as refeições
nem para cavar os diamantes
que vossas mulheres irão ostentar em salões
nem para cuidar das vossas plantações
de algodão e café
não contem com amas
para amamentar os vossos filhos sifilíticos
não contem com operários
de segunda categoria
para fazer o trabalho de que vos orgulhais
nem com soldados inconscientes
para gritar com o estômago vazio
vivas ao vosso trabalho de civilização
nem com lacaios
para vos tirarem os sapatos
de madrugada
quando regressardes de orgias noturnas
nem com pretos medrosos
para vos oferecer vacas
e vender milho a tostão
nem com corpos de mulheres
para vos alimentar de prazeres
nos ócios da vossa abundância imoral

Não contem comigo
Renuncio-me
Eu atngi o Zero

E agora podeis queimar
os letreiros medrosos
que às portas de bares hotéis e recintos públicos
gritam o vosso egoismo
nas frases “SÓ PARA BRANCOS” ou COLOURED MEN ONLY”
Negros aqui brancos acolá

E agora podeis acabar
com os miseráveis bairros de negros
que vos atrapalham a vaidade
Vivei satisfeitos sem colour lines
sem terdes que dizer aos frequeses negros
que os hotéis estão abarrotados
que não há mais mesas nos restaurantes
Banhai-vos descansados
nas vossas praias e piscinas
que nunca houve negros no mundo
que sujassem as águas
ou os vossos nojentos preconceitos
com a sua escura presença

Dissolvei o Ku-Klux-Klan
que já não há negros para linchar!

Porque hesitais agora!
ao menos tendes oportunidade
para proclamardes democracias
com sinceridade

Podeis inventar uma nova história
inclusivamente podeis inventar uma nova mística
direis por exemplo: No princípio nós criamos o mundo
Tudo foi feito por NÓS
E isso nada me interessa

Ah!
que satisfação eu sinto
por ver-vos alegres no vosso orgulho
e loucos na vossa mania de superioridade

Nunca houve negros!
A África foi construida só por vós
A América foi colonizada só por vós
A Europa não conhece civilizações africanas
Nunca houve beijos de negros sobre faces brancas
nem um negro foi linchado
nunca matastes pretos a golpes de cavalomarinho
para lhes possuirdes as mulheres
nunca estorquistes propriedades a pretos
não tendes nunca tivestes filhos com sangue negro
ó racistas de desbragada lubricidade

Fartai-vos agora dentro da moral!

Que satisfação eu sinto
por não terdes que falsear os padrões morais
para salvaguardar
o prestígio a superioridade e o estômago
dos vossos filhos

Ah!
O meu suicídio é uma novidade histórica
é um sádico prazer
de ver-vos bem instalados no vosso mundo
sem necessidade de jogos falsos

Eu elevado até o Zero
eu transformado no Nada-histórico
eu no início dos tempos
eu-Nada a confundir-me com vós-Tudo
sou o verdadeiro Cristo da Humanidade!

Não há nas ruas de Luanda
negros descalços e sujos
a pôr nódoas nas vossas falsidades de colonização

Em Lourenço Marques
em New York em Leopoldville
em Cape Town
gritam pelas ruas
fogueteando alegrias nos ares

- Não há negros nas ruas!
Nunca houve
Não há negros preguiçosos
a deixar os campos por cultivar
e renitentes à escravização
já não há negros para roubar
Toda a riqueza representa agora o suor do rosto
e o suor do rosto é a poesia da vida
Viva a poesia da vida!
Viva!

Não existe música negra
Nunca houve batuques nas florestas do Congo
Quem falou em spirituals?
Os salões enchem-se de Debussy Strauss Korsakoff
que não há selvagens na terra
Viva a civilização dos homens superiores
sem manchas negróides a perturbar-lhe a estética!
Viva!

Nunca houve descobrimentos
a África foi criada com o mundo

O que é a colonização?
O que são os massacres de negros?
O que são os esbulhos de propriedade?
Coisas que ninguém conhece

A história está errada
Nunca houve escravatura
Nunca houve domínio de minorias
orgulhosas da sua força

Acabei com as cruzadas religiosas
A fé está espalhada por todo o mundo
sobre a terra só há cristãos
VÓS sois todos cristãos

Não há infiéis por converter
Escusais de imaginar mais infidelidades religiosas
para justificar
repugnantes actos de barbarismo

Não necessitais enviar mais missionários
a África
nem nos bairros de negros
Nunca houve mahamba
nem concepções religiosas diferentes
nunca houve religiosos a auxiliar a ocupação militar

Acabai com os missionários
os seus sofismas
os seus milagres
inventados para justificar ambições e vaidades

Possuis tudo TUDO
e sois todos irmãos

Continuai com os vossos sistemas políticos
ditaduras democráticas
isso é convosco
Explorai o proletariado
matai-vos uns aos outros
lutai pela glória
lutai pelo poder
criai minorias fortes
apadrinhai os afilhados dos vossos amigos
criai mais castas
aburguesai as ideias
e tudo sem a complicação
de verdes intrusos
imiscuir-se na vossa querida
e defendida civilização de homens
privilegiados

E agora
homens irmãos
daí-vos as mãos
gritai a vossa alegria de serdes sós
SÓS!
únicos habitantes da terra

Eu artingi o Zero

Isto significa extraordinariamente a vossa ética
Ao menos
não percais a ocasião para serdes honestos

Se houver terramotos
calamidades cheias ou epidemias
ou terras a defender da evasão das águas
ou motores parados em lamas africanas
raios vos partam!
já não tereis de chamar-me
para acudir as vossas desgraças
para reparar os vossos desastres
ou para carregar com a culpa das vossas incúrias
Ide para o diabo!

Eu não existo
Palavra de honra que nunca existi
Atingi o Zero
o Nada

Abençoada a hora
do meu super-suicídio
para vós
homens que construís sistemas morais
para enquadrar imoralidades

O sol brilha só para vós
a lua reflecte luz só para vós
nunca houve esclavagistas
nem massacres
nem ocupações da África

Como até a história
se transforma num tratado de moral
sem necessidade de arranjos apressados!

Os pretos dos cais não existem
Nunca foram ouvidos cantos dolentes
misturados com a chiadeira do guindaste
Nunca pisaram os caminhos do mato
carregadores com sem quilos às costas
são os motores que se queimam sob as cargas

Ó pretos submissos humildes ou tímidos
sem lugar nas cidades
ou nos escaninhos da honestidade
ou nos recantos da força
dançarinos com a alma poisada no sinal menos
polígamos declarados
dançarinos de batuques sensuais
Sabeis que subistes todos de valor
atingistes o Zero sois Nada
e salvastes o homem

Acabou-se o ódio
e o trabalho de civilização
e a náusea de ver meninos negros
sentados na escola
ao lado de meninos de olhos azuis
e as extorções e compulsões
e as palmatoadas e torturas
para obrigar inocentes a confessar crimes
e medos de revolta
e as complicadas demarches políticas
para iludir as almas simples

Acabaram-se as complicações sociais!

Atingi o Zero
Cheguei à hora do início do mundo
e resolvi não existir

Cheguei ao Zero-Espaço
ao Nada-Tempo
ao eu coincidente com vós-Tudo

E o que é mais importante:
Salvei o mundo!

1949

 

 

 

QUITANDEIRA

 

A quitanda.
Muito sol
e a quitandeira à sombra
da mulemba.

- Laranja, minha senhora,
laranjinha boa!

A luz brinca na cidade
o seu quente jogo
de claros e escuros
e a vida brinca
em corações aflitos
o jogo da cabra-cega.

A quitandeira
que vende fruta
vende-se.

- Minha senhora
laranja, laranjinha boa!

Compra laranja doces
compra-me também o amargo
desta tortura
da vida sem vida.

Compra-me a infância do espírito
este botão de rosa
que não abriu
princípio impelido ainda para um início.

Laranja, minha senhora!

Esgotaram-se os sorrisos
com que chorava
eu já não choro.

E aí vão as minhas esperanças
como foi o sangue dos meus filhos
amassado no pó das estradas
enterrado nas roças
e o meu suor
embebido nos fios de algodão
que me cobrem.

Como o esforço foi oferecido
à segurança das máquinas
à beleza das ruas asfaltadas
de prédios de vários andares
à comodidade de senhores ricos
à alegria dispersa por cidades
e eu
me fui confundindo
com os próprios problemas da existência.

Aí vão as laranjas
como eu me ofereci ao álcool
para me anestesiar
e me entreguei às religiões
para me insensibilizar
e me atordoei para viver.

Tudo tenho dado.

Até mesmo a minha dor
e a poesia dos meus seios nus
entreguei-as aos poetas.

Agora vendo-me eu própria.
- Compra laranjas
minha senhora!
Leva-me para as quitandas da Vida
o meu preço é único:
- sangue.

Talvez vendendo-me
eu me possua.

- Compra laranjas!

(Sagrada esperança)

 

 

VOZ DO SANGUE

 

Palpitam-me
os sons do batuque
e os ritmos melancólicos do blue

Ó negro esfarrapado do Harlem
ó dançarino de Chicago
ó negro servidor do South

Ó negro de África

negros de todo o mundo

eu junto ao vosso canto
a minha pobre voz
os meus humildes ritmos.

Eu vos acompanho
pelas emaranhadas áfricas
do nosso Rumo

Eu vos sinto
negros de todo o mundo
eu vivo a vossa Dor
meus irmãos.

(A renúncia impossível)

 

 

 

MUSSUNDA AMIGO


Para aqui estou eu
Mussunda amigo
Para aqui estou eu

Contigo
Com a firme vitória da tua alegria
e da tua consciência

O ió kalunga ua mu bangele!
O ió kalunga ua mu bangele-lé-leleé...

Lembras-te?

Da tristeza daqueles tempos
em que íamos
comprar mangas
e lastimar o destino
das mulheres da Funda
dos nossos cantos de lamento
dos nossos desesperos
e das nuvens dos nossos olhos
Lembras-te?

Para aqui estou eu
Mussunda amigo

A vida a ti a devo
à mesma dedicação ao mesmo amor
com que me salvaste do abraço
da jibóia

à tua força
que transforma os destinos dos homens

A ti Mussunda amigo
a ti devo a vida

E escrevo versos que não entendes
compreendes a minha angústia?

Para aqui estou eu
Mussunda amigo
escrevendo versos que tu não entendes

Não era isto
o que nós queríamos, bem sei

Mas no espírito e na inteligência
nós somos!

Nós somos
Mussunda amigo
Nós somos

Inseparáveis
e caminhando ainda para o nosso sonho

No meu caminho
e no teu caminho
os corações batem ritmos
de noites fogueirentas
os pés dançam sobre palcos
de místicas tropicais
Os sons não se apagam dos ouvidos

O ió kalunga ua mu bangele...

Nós somos!

(Sagrada esperança)

 

 

 

 

CONTRATADOS

 

Longa fila de carregadores
domina a estrada
com os passos rápidos

Sobre o dorso
levam pesadas cargas

Vão
olhares longínquos
corações medrosos
braços fortes
sorrisos profundos como águas profundas

Largos meses os separam dos seus
e vão cheios de saudades
e de receio
mas cantam

Fatigados
esgotados de trabalhos
mas cantam

Cheios de injustiças
calados no imo das suas almas
e cantam

Com gritos de protesto
mergulhados nas lágrimas do coração
e cantam

Lá vão
perdem-se na distância
na distância se perdem os seus cantos tristes

Ah!
eles cantam...

(Sagrada esperança)

 

 

 

 

ASPIRAÇÃO

 

Ainda o meu canto dolente
e a minha tristeza
no Congo, na Geórgia, no Amazonas

Ainda
o meu sonho de batuque em noites de luar

ainda os meus braços
ainda os meus olhos
ainda os meus gritos

Ainda o dorso vergastado
o coração abandonado
a alma entregue à fé
ainda a dúvida

E sobre os meus cantos
os meus sonhos
os meus olhos
os meus gritos
sobre o meu mundo isolado
o tempo parado

Ainda o meu espírito
ainda o quissange
a marimba
a viola
o saxofone
ainda os meus ritmos de ritual orgíaco

Ainda a minha vida
oferecida à Vida
ainda o meu desejo

Ainda o meu sonho
o meu grito
o meu braço
a sustentar o meu Querer

E nas sanzalas
nas casas
no subúrbios das cidades
para lá das linhas
nos recantos escuros das casas ricas
onde os negros murmuram: ainda

O meu desejo
transformado em força
inspirando as consciências desesperadas.

(Sagrada esperança)

 

 

 

 

POESIA AFRICANA

 

Lá no horizonte
o fogo
e as silhuetas escuras dos imbondeiros
de braços erguidos
No ar o cheiro verde das palmeiras queimadas

Poesia africana

Na estrada
a fila de carregadores bailundos
gemendo sob o peso da crueira
No quarto
a mulatinha dos olhos meigos
retocando o rosto com rouge e pó de arroz
A mulher debaixo dos panos fartos remexe as ancas
Na cama
o homem insone pensando
em comprar garfos e facas para comer à mesa

No céu o reflexo
do fogo
e as silhuetas dos negros batucando
de braços erguidos
No ar a melodia quente das marimbas

Poesia africana

E na estrada os carregadores
no quarto a mulatinha
na cama o homem insone

Os braseiros consumindo
consumindo
a terra quente dos horizontes em fogo.

(No reino de Caliban II - antologia
panorâmica de poesia africana de ex-
pressão portuguesa)
Fogo e ritmo

Sons de grilhetas nas estradas
cantos de pássaros
sob a verdura úmida das florestas
frescura na sinfonia adocicada
dos coqueirais
fogo
fogo no capim
fogo sobre o quente das chapas do Cayatte.
Caminhos largos
cheios de gente cheios de gente
em êxodo de toda a parte
caminhos largos para os horizontes fechados
mas caminhos
caminhos abertos por cima
da impossibilidade dos braços.
Fogueiras
dança
tamtam
ritmo

Ritmo na luz
ritmo na cor
ritmo no movimento
ritmo nas gretas sangrentas dos pés descalços
ritmo nas unhas descarnadas
Mas ritmo
ritmo.

Ó vozes dolorosas de África!


(Sagrada esperança)

 

 

 


FIRE UND RYTHM


The sound of chains on the roads
the songs of birds
under the humid greenery of the forest
freshness in the smooth symphony
of the palm trees
fire
fire on the grass
fire on the heat of the Cayatte plains
Wide paths
full of people full of people
an exodus from everywhere
wide paths to closed horizons
but paths
paths open atop
the impossibility of arm
fire
dance
tum tum
rhythm

Rhythm in light
rhythm in color
rhythm in movement
rhythm in the bloody
cracks of bare feerhythm on torn nails
yet rhythm
rhythm

Oh painful African voices


(Sacred hope)

 

 

 

KINAXIXI


Gostava de estar sentado
num banco do kinaxixi
às seis horas duma tarde muito quente
e ficar...
Alguém viria
talvez sentar-se
sentar-se ao meu lado
E veria as faces negras da gente
a subir a calçada
vagarosamente
exprimindo ausência no kimbundu mestiço
das conversas
Veria os passos fatigados
dos servos de pais também servos
buscando aqui amor ali glória
além uma embriagues em cada álcool
Nem felicidade nem ódio
Depois do sol posto
acenderiam as luzes
e eu
iria sem rumo
a pensar que a nossa vida é simples afinal
demasiado simples
para quem está cansado e precisa de marchar.

(Sagrada esperança)

 

 

 

 

NOITE

 

Eu vivo
nos bairros escuros do mundo
sem luz nem vida.

Vou pelas ruas
às apalpadelas
encostado aos meus informes sonhos
tropeçando na escravidão
ao meu desejo de ser.

São bairros de escravos
mundos de miséria
bairros escuros.

Onde as vontades se diluíram
e os homens se confundiram
com as coisas.

Ando aos trambolhões
pelas ruas sem luz
desconhecidas
pejadas de mística e terror
de braço dado com fantasmas.

Também a noite é escura.

(Sagrada esperança)

 

 

 

CONSCIENCIALIZAÇÃO


Medo no ar!

Em cada esquina
sentinelas vigilantes incendeiam olhares
em cada casa
se substituem apressadamente os fechos velhos
das portas
e em cada consciência
fervilha o temor de se ouvir a si mesma

A historia está a ser contada
de novo

Medo no ar!

Acontece que eu
homem humilde
ainda mais humilde na pele negra
me regresso África
para mim
com os olhos secos.

(Sagrada esperança)

 

 

 

CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL


Latas pregadas em paus
fixados na terra
fazem a casa

Os farrapos completam
a paisagem íntima

O sol atravessando as frestas
acorda o seu habitante

Depois as doze horas de trabalho
Escravo

Britar pedra
acarretar pedra
britar pedra
acarretar pedra
ao sol
à chuva
britar pedra
acarretar pedra

A velhice vem cedo

Uma esteira nas noites escuras
basta para ele morrer
grato
e de fome.

(Sagrada esperança)

 

 

 

 

O CHORO DE ÀFRICA

O choro durante séculos
nos seus olhos traidores pela servidão dos homens
no desejo alimentado entre ambições de lufadas românticas
nos batuques choro de África
nos sorrisos choro de África
nos sarcasmos no trabalho choro de África

Sempre o choro mesmo na vossa alegria imortal
meu irmão Nguxi e amigo Mussunda
no círculo das violências
mesmo na magia poderosa da terra
e da vida jorrante das fontes e de toda a parte e de todas as almas
e das hemorragias dos ritmos das feridas de África

e mesmo na morte do sangue ao contato com o chão
mesmo no florir aromatizado da floresta
mesmo na folha
no fruto
na agilidade da zebra
na secura do deserto
na harmonia das correntes ou no sossego dos lagos
mesmo na beleza do trabalho construtivo dos homens

o choro de séculos
inventado na servidão
em historias de dramas negros almas brancas preguiças
e espíritos infantis de África
as mentiras choros verdadeiros nas suas bocas

o choro de séculos
onde a verdade violentada se estiola no circulo de ferro
da desonesta forca
sacrificadora dos corpos cadaverizados
inimiga da vida

fechada em estreitos cérebros de maquinas de contar
na violência
na violência
na violência

O choro de África e' um sintoma

Nos temos em nossas mãos outras vidas e alegrias
desmentidas nos lamentos falsos de suas bocas - por nós!
E amor
e os olhos secos.

(Poemas, 1961)

 

 

 

FOGO E RITMO


Sons de grilhetas nas estradas
cantos de pássaros
sob a verdura úmida das florestas
frescura na sinfonia adocicada
dos coqueirais
fogo
fogo no capim
fogo sobre o quente das chapas do Cayatte.

Caminhos largos
cheios de gente cheios de gente
em êxodo de toda a parte
caminhos largos para os horizontes fechados
mas caminhos
caminhos abertos por cima
da impossibilidade dos braços.
Fogueiras
dança
tamtam
ritmo
Ritmo na luz
ritmo na cor
ritmo no movimento
ritmo nas gretas sangrentas dos pés descalços
ritmo nas unhas descarnadas

Mas ritmo
ritmo.

Ó vozes dolorosas de África!

Noite
Eu vivo
nos bairros escuros do mundo
sem luz nem vida.

Vou pelas ruas
às apalpadelas
encostado aos meus informes sonhos
tropeçando na escravidão
ao meu desejo de ser.

São bairos de escravos
mundos de miséria
bairros escuros.

Onde as vontades se diluíram
e os homens se confundiram
com as coisas.

Ando aos trambolhões
pelas ruas sem luz
desconhecidas
pejadas de mística e terror
de braço dado com fantasmas.

Também a noite é escura.

 

 


CONFIANÇA


O oceano separou-se de mim
enquanto me fui esquecendo nos séculos
e eis-me presente/
reunindo em mim o espaço
condensando o tempo.

Na minha hisória
existe o paradoxo do homem disperso

Enquanto o sorriso brilhava
no canto de dor
e as mãos construíam mundos maravilhosos

john foi linchado/o irmão chicoteado nas costas nuas
a mulher amordaçada
e o filho continuou ignorante

E do drama intenso
duma vida imensa e úti/
resultou a certeza

As minhas mãos colocaram pedras
nos alicerces do mundo
mereço o meu pedaço de chão.


 

 

 

ANTIGAMENTE ERA


Antigamente era o eu-proscrito
Antigamente era a pele escura-noite do mundo
Antigamente era o canto rindo lamentos
Antigamente era o espírito simples e bom

Outrora tudo era tristeza
Antigamente era tudo sonho de criança

A pele o espírito o canto o choro
eram como a papaia refrescante
para aquele viajante
cujo nome vem nos livros para meninos

Mas dei um passo
ergui os olhos e soltei um grito
que foi ecoar nas mais distantes terras do mundo

Harlem
Pekim
Barcelona
Paris
Nas florestas escondidas do Novo Mundo

E a pele
o espírito
o canto
o choro
brilham como gumes prateados

Crescem
belos e irresistíveis
como o mais belo sol do mais belo dia da Vida.


(1951)

 

 

 

 

 





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